sexta-feira

Billy e o cotidiano

Eu escrevi um texto pra minha cadeira de comunicação em lingua portuguesa I; era pra ser sobre o cotidiano, mas saiu uma história meio fábula. Como sempre, ficou péssima.

Ela começa assim:

Billy nasceu franzino numa dessas cidades americanas pacatas e desinteressantes. Recebeu o sobrenome do pai, Pilgrim, que quer dizer peregrino. Cresceu sonhando em ser um grande peregrino, conquistar o oeste e coisa e tal. Ele ignorava que o oeste já havia sido conquistado muitos anos antes numa marcha sangrenta que matou milhares de indígenas norte-americanos. Mesmo assim, nunca gostou muito de índios mesmo.

Essa, porém, não é uma história sobre Billy e índios mutilados, mas sim sobre a relação dele com seu cotidiano. É comum a vida se repetir e repetir nas cidades desinteressantes da América; de fato, é o que as torna desinteressantes. Billy acordava toda segunda pensando que era terça; nas terças tinha certeza ser sexta; nas sextas sentia-se como nas quartas. Sua mãe reclamava com razão: “Hoje já é quarta, filho! Todo dia depois de terça é quarta! E vai tirar essa remela!”. Já seu pai gostava e ria: “Deixa o garoto! Afinal, por que toda semana tem que ser igual mesmo? Por que não pode, pelo menos hoje, terça vir depois de terça? Todo dia ele tem aula mesmo...”.

Billy perdera a noção do tempo por conta da repetição constante dos dias. Como ele ia saber que era quarta? Qual afinal era a diferença entre quarta e quinta, entre segunda e sexta? Eram todos o mesmo dia para Billy e todo dia ele matava índios imaginários no caminho pra aula, e depois matava índios imaginários no recreio; tanto e tanto que os corpos se amontoavam na sua imaginação pouco fértil.

Eu penso que toda vez que Billy matava um índio, era um segundo a menos pra ele se preocupar. Ele sempre teve essa relação de antítese com o tempo – talvez por ser muito novo –, e ao invés de deixá-lo passar livremente, ele o baleava com seus dedinhos.

Billy tanto matou segundos, imerso em sua imaginação, que o tempo decidiu sacaneá-lo fazendo com que ele não saísse mais de um dia desses da semana. Todo dia seria realmente o mesmo, só para ele.

Então, Billy acordou numa segunda (ou quarta, ou quinta, tanto faz), e no outro dia, ainda era segunda. Mas ele achou que fosse quarta. Dizem que ainda anda por lá...

segunda-feira

O Casal

Astolfo tem um nome de velho, um nome da época do império. Leila ri de Astolfo porque, como ele bem sabe, ela acha o nome ridículo. Pra não irritá-lo, esforça-se para chamá-lo pelo apelido fofinho; Tofo.
Tofo fofo, ela brinca com o trocadilho acidental enquanto eles entram no restaurante árabe. Tofo adora quibe. Fofo, digo, Tofo fica lindo quando enche a boca de comida e fica sem jeito por não poder falar.
"A gente nem se conhece direito e tu vem me falar de relação!?"
Calma Tofo; respire.
"Hunny, falo de um caso. Vamos manter assim, estamos tendo um caso."
"Leila, como nós podemos ter um caso se não temos nenhuma outra relação?"
"Fica o seguinte, hunny: a gente tem um caso. Eu apareço de vez em quando na tua casa, a gente brinca de casinha e, quando qualquer um dos dois enjoar, eu volto pra casa. Você vai ser meu amante, é disso que eu preciso. Sem relacionamento sério, sem namoro. Ou melhor, um namoro fast-food."
"Leila, não viaja, a gente já tá fazendo isso. Além disso, quem disse que eu preciso de uma amante?"
"Eu digo. Benzinho, você precisa desesperadamente de uma amante, só não quer ver. Além disso, qual é o problema? Tem mais alguém na fila?"
Tofo odeia discutir com pessoas de escorpião. O assunto sempre recai nesses sentimentalismos, nessas chantagens, na verdade irrefutável que eles pensam mais rápido que ele e nessa habilidade visceral de dar guinadas estonteantes na argumentação. Sua mãe lhe avisara, são escorregadios aqueles regidos pelo signo.
Leila tem plena consciência da inabilidade lendária de Tofo com as mulheres. Ele é tímido, pouco bonito, gosta de falar merda e não se liga em delicadezas como cavalheirismo. Além disso, nunca sabe como terminar uma cantada, o momento exato, aquele momento em que os olhares se cruzam, o lábios se prostram, o derradeiro momento do beijo; Tofo nunca termina uma cantada. Quando o primeiro brilho desponta no olhar, ele treme, fica rijo, desata a correr como uma criança assustada. É um cagão. Um viadinho. Precisa ser pego no pulo, como uma corça assustada em frente ao caçador. É arisco o diabo! Leila tem plena consciência disso. Foi ela quem o pegou. É isso que gosta nele, a subversão de papéis, a caça sendo o caçador. E continua pegando.
Tofo solta um não pra dentro. É tudo o que ele diz. Não devia ter discutido. Devia ter ficado com o quibe.

----------------------------------------------------------------

Quibe Assado

sábado

A chuva

A gente nem sempre sabe o que esperar da chuva. Ou quando esperar ela. A sacada do meu apartamento dá pra Santo Antônio, que é uma ladeira. Se tu perder um dia deitado na rede da minha sacada esperando a chuva, vai poder rir um pouco das pessoas que passam lá embaixo. Correm, escorregam, se molham e desesperam. Como as formigas quando eu molho a grama na minha casa, lá em Araranguá.

Não que eu goste muito de cortar a grama ou aguar as plantas. Mas de vez em quando eu acabo fazendo. E, também de vez em quando, bate aquela vontade de ser cruel com alguém, e as formigas se tornam um alvo tentador. Quem nunca olhou praquele formigueiro enorme, esquentou uma chaleira de água e entornou nas pobres diabas até ver a rainha correndo desesperada pra salvar sua vida enquanto as operárias se retorcem em dor e agonia, buahahahahaha, gasp cof cof...

Pois é, se existe um Deus, será que ele tem uma chaleira?


--------------------------------------------------------------------

Farofa de içá

sexta-feira

A Rotina

Quinta -feira não é dia sagrado
Quinta-feira não tem nada demais
Mas quinta eu sai de casa
pra não voltar jamais

Essa quinta marcou bastante
mesmo sendo muito pouco
Nessa quinta eu fiz café
pra ver se morro moço

Quinta-feira já passou
foi só um dia perdido na sala

Todo dia é quinta-feira
pra eu sempre poder
lembrar de quarta.

sábado

O Romântico

Ela tem os olhos do meu ideário poético
e quando eu me deparo com eles
posso ouvir o mar.
Ah! Que castigo!
Já faz muito tempo
Que eu não sinto o maravilhoso deles
se perder em mim.