terça-feira

Não sei amar

Na primeiríssima hora em que meu olhar cruzar o teu
Já não haverá mais motivos para chuva
pois esse será o final das festividades
do começo da primavera

Não haverá motivos para horror
quando despontar o brilho da estrela primeira
num ponto longínquo da imensidão condensada no teu olhar

Ou mesmo os próprios motivos serão todos fúteis demais
E os viraremos de ponta-cabeça
e de novo
sem saber afinal porque existiam

Nesse particularíssimo momento
Eu já não saberei viver fora da grandeza marítima
do verbo amar

Já não saberei viver tão visceralmente
como nunca soube
Tanto que, na verdade, não terei nada
que valha à pena te entregar.

quarta-feira

Espero não decepcioná-los demais com um poeminha.



Tinha prometido
não escrever poemas ou ter motivos pra chorar
mas meus dedos confusos
não tem olhos nem ouvidos
muito menos coração
Escrevem sem parar
pra me mostrar quem é que manda

Eles não escrevem sobre campos floridos
amores saciados
dias ensolarados de verão

Meus dedos confusos
só sabem falar da solidão noturna de um jovem chorão
só sabem reclamar dessa vida que levam comigo
Uma sem campos floridos
amores saciados
ou odiosos dias ensolarados de verão

A viela sem fim

Melissa chegou as seis em casa. Jogou um cigarro na pia só pra ouvir o breve som agonizante da chama que se apaga. Pensou que a vida era como a chama do cigarro, mas afastou rapidamente qualquer outro pensamento funesto. Eram seis da manhã, seis da manhã, e tudo que restava era o prazer que talvez ela pudesse proporcionar a si própria.

Pegou seu celular e tentou olhar a vida sob os olhos míopes do aparelho. Era escuro como uma rua sem saída, como a viela infinita dos seus sonhos. Neles, ela corria sobre o cascalho com os sapatos nas mãos. Preferia não dormir a ter que sonhar novamente com a porra da viela.

Encheu o bule de água. Ia fazer um café pra não ter que dormir hoje. Pegava às sete e meia no trabalho, se caísse no sono fatalmente faltaria. Infelizmente, não havia pães na despensa – um armariozinho sobre a pia. Comer talvez fosse o grande erro, assim como passar a noite enchendo a cara e agüentando cantadas furadas na mesa do bar.

Durante esses anos todos, chegara a conclusão que nenhum homem era sincero, nenhum deles admitiria que só queria sexo. Por que preocupar-se? Por que não jogar o jogo? O bule chiava. Encheu um coador de café em pó enquanto aquele cheiro espalhava pela cozinha. Passou o café letárgica, sentou-se à mesa, adoçou e adormeceu pra sempre.