segunda-feira

Suzana na pista de dança

Eu sinto uma vontade quase lúdica de te fazer gozar.

O sopro suave das palavras desaparece rapidamente do ouvido de Suzana e o homem se perde na escuridão. Sua aparição peremptória se esvai com um arrepio e a sensação de invasão permanece. Aquele que perpetra a ação é sempre o mais fácil de imputar alguma culpa ou agressão, e talvez sempre seja assim. Ao  perscrutar as luzes movediças, as formas dos homens e mulheres se mesclam e já a pista se transforma num corpo único e pululante inflamado de álcool e na confusão a voz agora é memória, força e injúria, mas é o arrepio, esse arremedo de desejo e insegurança tatuado na mente de Suzana que a faz apertar os olhos, procurar mais um pouco, e cresce no seu peito algo inexplicável como a dúvida que segue toda promessa. O que ela sente agora análogo a vida das coisas mescladas na sua frente, algo mensurável como a área da pista e ao mesmo tempo inclassificável na medida da sua informidade, da sua variação no tempo, sua volatilidade - e ela pensa sobre o controle que tem das coisas ao seu redor e como paliativa é a própria ideia de controle.

Todos dançam juntos agora, os corpos colados. Será ele aqui parado na sua frente, esticando a mão como um cachorro espera por comida balançando o rabinho enquanto ela pensa sobre a sua vontade e de repente ele sorri porque sabe do mistério que envolve essa faceta servil da hombridade e que faz um homem se curvar a uma mulher depois de tudo o que se imagina ser um homem e isso nem interessa mais, talvez, mas ele sabe esticar essa mão e mais, sabe sorrir na cara dela como se não importasse mais a resposta pois ele tem um salão inteiro pra atravessar com a mão esticada e ainda esticá-la através do mundo e balançar o rabo por aí, sabe, então foda-se porque o negócio é rir da vilania da situação, essa vilania que ela inventou e ele meio burro aqui, sorrindo. Mas vai com calma, Suzana, a coisa nem precisa ter um tom tão grave assim, ele só quer dançar e encostar o corpo no teu corpo porque vai que, né, o primeiro cara tava até meio certo de ver algo lúdico no sexo que ele hipoteticamente fez com você, a ideia de fazer alguém gozar, isso nem existe, gozar tá dentro da nossa cabeça.

E ao pagar no caixa, Suzana ainda atravessa a noite com a cabeça forçando todo tipo de raciocínio no caminho pra casa, abrindo a porta e deitando na cama. A coisa fica tão metafísica e sem sentido que os parâmetros atingem níveis de abstração ridículos, tudo se descola da experiência dela e já não se sabe mais onde isso tudo começou, mas parece que rola uma depressãozinha, um jeitinho meio nihilista de lidar com tudo formando no cérebro de Suzana uma brasa de sinapses que, muito acesa, vai se apagando e dando lugar ao cansaço e a escuridão.